Breve análise sobre a legislação sanitária brasileira e a necessidade de cobertura pelas operadoras de saúde do país.
O ano de 2020 começou caótico pelo surgimento da epidemia do coronavírus, classificada como emergência de saúde pública de interesse internacional, ensejando medidas de contenção e monitoramento da doença pelas autoridades de saúde de todo o mundo.
O novo vírus alcunhado como coronavírus, com casos registrados inicialmente na China, é causador de gravíssima doença respiratória por meio de infecção, tanto em seres humanos, como em animais. A transmissão desse vírus pode ocorrer pelo ar ou por contato com secreções contaminadas. Os primeiros sintomas são febre, tosse, dificuldade para respirar e podem começar a aparecer duas semanas após o contato com o vírus.
Ao final do mês de Janeiro/2020 houve um aumento expressivo de casos registrados e de consequentes mortes no Brasil, de modo que a partir de então algumas medidas começaram a ser tomadas.
Defronte de tal cenário, muitas foram as dúvidas: qual seria a posição do Brasil? Nosso país possuiria normas de direito sanitário capazes de munir o Poder Público com um aparato para lidar com a ameaça do coronavírus?
De início, importante salientar que a legislação administrativa e sanitária em vigor em nosso país já contava com diversos instrumentos jurídicos para aparelhar adequadamente o Poder Público e assim viabilizar que se lidasse da melhor forma possível com os efeitos de uma eventual pandemia provocada pelo coronavírus.
Como exemplos, podemos citar a Lei de Migração (Lei Federal nº 13.445/2017), que revogou o antigo Estatuto do Estrangeiro (Lei Federal nº 6.815/1980), regulamentada pelo Decreto nº 9.199/2017, o qual, por seu turno, prevê que ato do Ministro de Estado da Saúde disporá sobre as medidas sanitárias necessárias para entrada no País e que as autoridades responsáveis pela fiscalização contribuirão para a aplicação de medidas sanitárias em consonância com o Regulamento Sanitário Internacional e com outras disposições pertinentes.
O referido Decreto nº 9.199/2017 ainda prescreve que, após entrevista individual e mediante ato fundamentado, o ingresso no Brasil poderá ser impedido à pessoa que não atenda às recomendações temporárias ou permanentes de emergências em saúde pública internacional definidas pelo Regulamento Sanitário Internacional.
Já o mencionado Regulamento Sanitário Internacional (ou RSI), cujo texto revisado foi promulgado pelo recente Decreto nº 10.212/2020, permite que a Organização Mundial da Saúde – OMS oriente, por exemplo: a implementação de quarentena ou outras medidas de saúde pública para pessoas suspeitas; a implementação de isolamento e tratamento de pessoas afetadas, quando necessário; a realização de busca de contatos de pessoas afetadas ou suspeitas; a recusa à entrada de pessoas afetadas ou suspeitas no país; a recusa à entrada de pessoas não afetadas em áreas afetadas; a realização de triagem e/ou restrições de saída para pessoas vindas de áreas afetadas.
Por fim, a Lei Federal nº 6.259/1975 permite que a autoridade sanitária exija e execute investigações, inquéritos e levantamentos epidemiológicos junto a indivíduos e a grupos populacionais determinados, sempre que julgar oportuno visando à proteção da saúde pública. A lei ainda obriga que, em decorrência dos resultados, parciais ou finais, das investigações, dos inquéritos ou dos levantamentos epidemiológicos, a autoridade sanitária adote prontamente, as medidas indicadas para o controle da doença, no que concerne a indivíduos, grupos populacionais e ambiente.
Diante da gravidade e tamanha proporção que a pandemia atingiu em nosso país, diversas outras medidas foram tomadas e leis foram criadas para tentar conter o avanço da epidemia.
Ainda, tendo em vista que a Constituição estabelece que o governo federal, estadual e municipal podem fazer leis para a saúde, e considerando as diversas realidades de cada região do país, no mês de Abril/2020 o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que prefeitos e governadores poderiam definir regras locais de isolamento.
Assim, cada região pôde ter mais autonomia, uma vez que existentes municípios e estados mais afetados do que outros, de forma que cada gestor no âmbito local e regional conseguiu definir quais medidas seriam adotadas.
O Estado de São Paulo, pelo Decreto nº 64.959, de 4 de Maio de 2020, determinou o uso obrigatório de máscaras em todo local público, não obstante, em caso de descumprimento da norma, também fora estipuladas penalidades, estando sujeitos a multas pessoas que estiverem sem máscara nos locais exigidos e os estabelecimentos que permitirem a presença de pessoas sem proteção e/ou situação irregular, de acordo com a Resolução SS – 96, de 29 de Junho de 2020.
Ademais, há casos onde a infração pode ser considerada crime, isso porque o Código Penal, em seu artigo 131, define o crime de perigo de contágio de moléstia grave, com pena de um a quatro anos de prisão. Da mesma forma, o artigo 268 prevê pena de um mês a um ano para quem infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa.
Pode haver ainda o crime de desobediência, previsto no artigo 330 do Código Penal, quando alguém não cumprir determinação de agente público.
Outra medida que foi tomada, no âmbito público, foi a aprovação pelo Congresso Nacional do chamado “orçamento de guerra”, que permite que os gestores gastem além do previsto no orçamento para investir nas ações de saúde, facilitando gastos do governo. A medida tem como objetivo facilitar as autorizações financeiras do legislativo, aumentando recursos para que os municípios e estados possam tomar medidas a administrativas necessárias.
Do ponto de vista das operadoras de saúde, mostrou-se também necessária uma articulação nessa grande batalha, sendo inconteste a obrigatoriedade da cobertura pelos planos de saúde, devendo ser garantido o atendimento emergencial aos pacientes que apresentem quaisquer dos sintomas.
Foi indispensável que a rede privada de saúde também estivesse preparada e orientada para lidar com os casos em crescente vertiginosa em nossos país. O coronavírus, portanto, por estar listado na Classificação Internacional de Doenças, pôde ser diagnosticado e tratado pela saúde suplementar, tão igualmente como pela saúde pública.
Ana Maria Rodrigues Janeiro, advogada do Escritório Crivelari & Padoveze Advogados, responsável pelo Departamento Jurídico Cível do Simespi.