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Aspectos jurídicos da Black Friday brasileira

Análise sobre a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e cautelas a serem adotadas no evento incorporado ao hábito de consumo dos brasileiros

 

A denominada Black Friday trata-se de prática originada nos Estados Unidos da América consistente numa grande ação de vendas ocorrida após o feriado de Ação de Graças, ao final do mês de Novembro, com o objetivo de os comerciantes se livrarem de estoques antigos de produtos, renovando a oferta para o período natalino que se aproxima.

 

No Brasil, a primeira edição da chamada Black Friday ocorrera em 2010 e possuía um alcance reduzido às empresas de comércio virtual. Nos anos seguintes, no entanto, a prática tomou maiores proporções, passando a ser adotada por diversas espécies de estabelecimentos comerciais.

 

Ocorre que, em nosso país, muitos são os abusos praticados no evento em questão, dentre os quais e principalmente, a denominada “maquiagem de preços”, consistente na sua elevação para posterior redução, com o intuito de ludibriar o consumidor. A prática, de aumentar preços num determinado dia, para, então, oferecer desconto no dia seguinte, falsificando a existência de uma promoção, é tida como publicidade enganosa, prevista no Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 37, parágrafo 1º, caracterizando, igualmente, crime de publicidade enganosa, previsto no artigo 67 do referido diploma consumerista, e crime de informação falsa ou enganosa, previsto no artigo 66, ambos passíveis de punição na esfera penal.

 

Por estas e outras razões é que aplicam-se às compras realizadas no período da Black Friday os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.

 

Nesse sentido, por exemplo, nos exatos termos do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor, constatados vícios aparentes ou de fácil constatação no produto, o consumidor possui 30 (trinta) dias para realizar a reclamação, em caso de bens não duráveis, sendo o prazo de 90 (noventa) dias para os bens duráveis. Tratando-se de vício oculto, ou seja, de defeito não verificável facilmente, o prazo começará a contar a partir do momento em que este ficar evidenciado. Em todo caso, o fornecedor terá 30 (trinta) dias para solucionar o problema do produto e, caso ultrapassado o prazo, deverá realizar a troca do produto por um novo ou restituir o valor respectivo ao consumidor.

 

Ainda, em relação à troca do produto sem a ocorrência de vício, por consubstanciar mera liberalidade do fornecedor, este não está obrigado a realizá-la, como também ocorre nos períodos normais de vendas, independente de se tratar de Black Friday ou de qualquer outra ação promocional.

 

No mesmo sentido, tendo sido a compra realizada pela Internet, por telefone ou por qualquer forma fora do estabelecimento comercial, o consumidor poderá desistir da aquisição dentro do prazo de 07 (sete) dias do ato do recebimento, independentemente da existência de defeito no produto, conforme previsão expressa no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor. Ou seja, nestes casos o consumidor tem o chamado direito ao arrependimento, sem a necessidade de apresentar qualquer justificativa para a desistência da aquisição do produto, cujo valor deverá ser integralmente restituído.

 

Uma questão interessante a ser salientada refere-se aos recentes entendimentos proferidos no ordenamento jurídico pátrio por ocasião dos últimos eventos da Black Friday, em situações nas quais o fornecedor de produtos ficara vinculado à oferta, ainda que essa apresentasse valor visivelmente desproporcional ou mesmo irrisório, por ser considerada legítima a expectativa do consumidor em relação à aquisição do produto pelo preço divulgado, ainda que equivocadamente, pelo fornecedor.

 

De modo geral, portanto, tem-se que o evento originado da cultura norte-americana já pode ser tido como incorporado ao hábito de consumo dos brasileiros, sendo certo que, tomadas as devidas precauções com relação a alguns abusos que ainda e desafortunadamente são perpetrados, a prática mostra-se positiva, aquecendo a economia como um todo, estando, em nosso país, sujeita aos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, a fim de que os consumidores de modo geral estejam amparados na efetivação de seus direitos e reparação de eventuais danos.

 

Ana Maria Rodrigues Janeiro, advogada do Escritório Crivelari & Padoveze Advogados, responsável pelo Departamento Jurídico Cível do Simespi

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