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Vicentinos atendem a mais de 1.500 famílias em Piracicaba

 

Os integrantes da Sociedade de São Vicente de Paulo (SSVP) têm um Dia Nacional para comemorar: 27 de setembro é o Dia dos Vicentinos. São homens e mulheres católicos, voluntários, que “se dedicam a levar o pão a quem tem fome e o conforto espiritual aos que estão à margem da sociedade”, como definiu o economista João Batista Alves, presidente do Conselho Central Norte de Piracicaba (mandato 2018/ 2022).

Ele participou recentemente de um evento alusivo ao Dia do Voluntariado, promovido pelo Simespi, com o tema Assistência Social e Assistencialismo e se dispôs a explicar um pouco mais nesta entrevista sobre o importante trabalho desenvolvido pelos vicentinos, em Piracicaba, desde 1888.                                                                                                               

Simespi – A Sociedade de São Vicente de Paulo se dedica à caridade desde 1833, quando foi criada na França. Há quanto tempo a SSVP está em Piracicaba e quantos integrantes ela congrega?

João Batista Alves – Os vicentinos e vicentinas estão em Piracicaba desde 1888, quando foi fundada a Conferência Santo Antônio. Ela resistiu ao tempo e seus atuais membros se reúnem até hoje. Chamamos de conferência um grupo de amigos(as) com mínimo de 7 e máximo de 15 pessoas, que se encontram  semanalmente para discutir como auxiliar e promover as famílias. Em Piracicaba e região temos cerca de 90 conferências, 750 voluntários (homens e mulheres) divididos entre dois Conselhos Centrais; CC Piracicaba fundado em 1947, e CC Norte de Piracicaba, em 1999, como um desmembramento do primeiro.

Quais os trabalhos desenvolvidos pela SSVP em Piracicaba? Quantas famílias/pessoas são atendidas por este trabalho?

A Sociedade serve àqueles que estão em necessidade, qualquer que seja a sua religião, meio social ou étnico, estado de saúde, sexo e particularidades culturais ou opiniões políticas. Fazemos parte da Igreja Católica e nosso trabalho é levar pão a quem tem fome e conforto espiritual para aqueles que estão à margem da sociedade. Atendemos mensalmente a 1.500 famílias e  impactamos cerca de 4.500 pessoas. Os dois Conselhos entregam,  em média, 44.500 Kg de alimentos, ou seja, 2.225 cestas básicas de 20 Kg. Durante a pandemia, esse número aumentou em mais de 50% e a generosidade aumentou.  O que de graça ganhamos, da mesma forma distribuímos. Nossa capilaridade por meio das paróquias da Diocese garante estarmos de forma organizada em todos os cantos de Piracicaba e das cidades vizinhas (Santa Barbara D’Oeste, Rafard, Mombuca, Saltinho, Capivari, São Pedro, Charqueada). Nossa Regra Vicentina diz que devemos visitar a casa do pobre para poder conhecer a sua realidade. Além dos alimentos, ajudamos com agasalhos, fraldas, equipamentos para mobiliar a casa, enxovais para recém-nascidos, entre outros. Procuramos também levar a informação sobre seus direitos no campo da saúde, trabalho e assistência social. Sempre que possível e necessário, mantemos contato com o CRAS e outros órgãos governamentais,  e também  contamos com o apoio da comunidade que conhece  nosso trabalho desde longa data.

Quais os critérios para se tornar um vicentino?

Para se tornar um vicentino é necessário professar a fé católica, ser uma pessoa de bem, que promove e testemunha a verdade e os valores da família. Mas não basta: é preciso se comprometer a ajudar o próximo, ter o espírito do bom samaritano, buscar a justiça social como determina a Doutrina Social da Igreja. Também participar assiduamente das reuniões, visitar o assistido em sua casa para conhecer suas reais necessidades, desenvolver a virtude da humildade, ter mansidão para saber ouvir e nunca julgar as pessoas de forma superficial e, sim, procurar entender os motivos do isolamento e das pobrezas que são encontradas. Pessoas de outras religiões também são bem-vindas, desde que se respeite o código do Direito Canônico. Pessoas em situação matrimonial irregular, mas sinceramente desejosas de praticar a caridade, com vida familiar estável e reta, após simples avaliação, podem ser acolhidas nas conferências, sem assumir cargos. Quem conhece a nossa missão se apaixona porque descobre um sentido maior na vida, que é ajudar o seu irmão a não sentir fome, deixar a pobreza, com fé em Deus e no futuro. Quem quiser ser vicentino é só procurar uma igreja mais próxima que receberá informações. Pode também acessar do site do Conselho Nacional do Brasil (ssvpbrasil.org.br), onde vai encontrar mais informações.

Além do trabalho assistencialista necessário, o que os vicentinos fazem para tirar o pobre da perversa situação em que vivem?

Não tem como não praticar o assistencialismo em nosso país tão marcado pela desigualdade de oportunidades, trabalho e renda. Não adianta procurar culpados; em nossas visitas aprendemos a não julgar as pessoas pela sua condição social. Muitos gostariam de sair da pobreza, mas não conseguem. Outros desistem e preferem ser moradores de rua, e há aqueles que se entregam às drogas, prostituição e à marginalidade. Difícil é não nos indignarmos com o abandono das crianças e dos idosos.  A cesta básica é importante, mas perpetuar a pobreza não é a solução. Tarefa de todos, principalmente da boa prática política, é minimizar o assistencialismo. Por isso, estamos comprometidos com as visitas semanais em suas casas, pois é pelo diálogo construtivo que podemos ajudá-los a quebrar o círculo vicioso da pobreza. Por isso, somos pela mudança sistêmica, que vai além de fornecer alimentação, vestuário, abrigo e aliviar as necessidades imediatas. Esta os capacita a envolverem-se para identificar as raízes da pobreza e para criar estratégias, incluindo a demanda dos seus direitos, para mudar as estruturas que os mantêm na pobreza. Para tanto, é necessário que os governos tenham as políticas públicas voltadas para a assistência social, e nós da Igreja e sociedade civil precisamos ter projetos, que sendo próximos das comunidades, atendam às necessidades mais específicas.

Quais são os projetos sociais da SSVP em Piracicaba?

Temos inúmeros projetos em andamento como: Transformando Vidas, que ministra aulas para as mães aprenderem artesanato e gerar renda; Oficina de Artes em EVA; Oficina de Decoupage; Projeto Realizando um Sonho (bolsa de estudo para auxiliar de enfermagem); Projeto de Reforço Escolar para alunos do ensino médio em Matemática e Português; Iniciação à Informatica (com inglês incluso), para alunos do Ensino Médio; Projeto Vem Ser Desenvolvedor – categoria júnior para alunos de ensino médio aprenderem a desenvolver  softwares e se inserirem no mercado de trabalho (com inglês incluso); Projeto Reforço Escolar 2 para alunos do Ensino Fundamental 1 da Escola Professsor José Pousa de Toledo, do bairro  Bosques do Lenheiro, que se encontram com deficiência também em matemática e português; temos ainda uma conferência que atua há mais de 50 anos na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, formada por senhoras vicentinas que confeccionam enxovais para os recém-nascidos de mães carentes, ministrando aulas sobre os  primeiros cuidados com os bebês. Tudo realizado de forma gratuita, com ajuda de voluntários e apoiadores.

O que, na sua opinião, pode mudar a realidade do país e diminuir a desigualdade social?

A nossa realidade só mudará quando todos, governo, sociedade civil (e aí incluindo a classe empresarial de todos os setores) se envolverem num grande pacto pela educação. Mas uma educação que tenha qualidade e sustentabilidade, que coloque a dignidade humana acima de tudo, valorize os professores, que comece pela base e atinja as universidades, que tire as crianças da rua, leve esperança para os jovens, formando técnicos para o mercado de trabalho e profissionais competentes, com investimento em pesquisa e inovação, tornando o país competitivo lá fora.  A “solução de todo esse drama social está na educação que permita alcançar bons empregos”, escreveu recentemente Renato Lima de Oliveira, brasileiro 16º Presidente Geral Internacional da SSVP.  A “superação da pobreza extrema é um ato de justiça social e não só de caridade”, disse Nelson Mandela. O Brasil é um país de riquezas naturais e pode investir mais e melhor em tecnologia e inovação, mas para isso é preciso que o povo tenha oportunidades, que haja investimentos, para isso precisamos não só da “opção preferencial pelos pobres”, mas que ela aconteça com ações concretas,  por meio da  educação e oportunidade para todos.

Quais seriam, na sua avaliação, os êxitos e as fragilidades da SSVP?

Desde sua fundação, em 27 de abril de 1833, em Paris, na França, por um grupo de jovens e um senhor mais velho, liderados por Antônio Fraderico Ozanam, (beatificado por Joao Paulo II, em 1997), um pensador católico e precursor da Doutrina Social da Igreja, a SSVP tem lutado contra a pobreza estrutural no mundo, em cerca de 150 países, incluindo o Brasil, desde 1872.  Aqui em Piracicaba não é diferente. Nossos associados e colaboradores (os doadores) ajudam as famílias mais carentes na distribuição das cestas básicas e pelos projetos sociais. Na região do nosso Conselho Metropolitano de S. Carlos, que abrange 12 municípios, administramos 38 ILPIs (Instituições de Longa Permanência), lares que cuidam dos nossos idosos há muito tempo e com muito carinho. Um trabalho difícil e organizado dentro do Terceiro Setor, que colabora com o poder público e conta com o apoio da sociedade. Para nosso êxito, contamos historicamente com o reconhecimento da nossa Igreja, atualmente na pessoa do nosso Bispo Dom Devair Araújo da Fonseca, e o clero, que abrem as portas dos nossos templos para dar assistência aos pobres. No entanto, sentimos que precisamos de mais voluntários, principalmente os mais jovens. Sofremos também com a falta de lideranças, principalmente nestes momentos de crise. Precisamos aprender a formar líderes, como fez São Vicente que inspirou nossos fundadores, para que possamos dar continuidade às obras e ao carisma. Lee Iacocca, famoso lider empresarial americano, disse: “O mundo necessita de líderes espirituais, acima de tudo”.

Qual é a meta da SSVP e o que estão fazendo, levando-se em conta os novos tempos de globalização e avanços tecnológicos?

Localmente nossa meta é aumentar o número de vicentinos e vicentinas na região, atrair os jovens para o serviço da caridade, fortalecer as conferências por meio da formação que valorize a missão, buscar sinergia com outras Pastorais Sociais da Igreja, dialogar mais com o poder público, para que o foco seja a mudança sistêmica que retira as pessoas da pobreza, tornando-as protagonistas da sua história, a fim de reduzir o percentual de pessoas que precisem ser atendidas por programas sociais. Ter em mente as palavras de Jesus que disse claramente: “Todas as vezes que fizestes a um desses meus irmãos menores, a mim o fizestes” (Mt 25,40).

Como motivar as pessoas a serem solidárias?

Em Piracicaba, temos pessoas e empresas que se preocupam em doar, mas esta cultura de doação pode avançar significativamente por meio da credibilidade das instituições filantrópicas e da transparência. Os santos movem o mundo; veja os exemplos de Madre Tereza de Calcutá e da Irmã Dulce dos pobres, aqui na Bahia; foram pessoas que conseguiram doadores porque deram a vida pelas suas obras, não pediam nada para si e, sim, para os mais necessitados. As pessoas querem doar para projetos de assistência social que realmente transformem a sociedade e neste campo a classe empresarial pode contribuir. Quem quiser ser doador, temos dois telefones à disposição: 3421-3622 (Vila Rezende) e  3422-6147 (Cidade Alta).

Como a sociedade civil e as obras ligadas às Igrejas podem colaborar com o poder público na busca por políticas relevantes para os mais pobres?

Vivemos um momento de inovação em todo mundo, a era do “global citizem”, e a comunicação deu um salto importante impulsionada pela internet e redes sociais. Isso quer dizer que não podemos continuar fazendo as coisas do mesmo jeito e esperar pelos mesmos resultados. A Igreja Católica tem alertado os governantes deste a encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, em 1891, para que tenham uma preocupação com os trabalhadores e a dignidade humana. Os empresários do bem fazem a sua parte investindo e gerando empregos. O poder público precisa das Igrejas e da sociedade civil para implementar as políticas públicas, necessita ouvir mais as entidades de assistência social porque são elas que estão perto dos pobres e dos idosos, das crianças e dos jovens. Pensar globalmente e agir localmente pode colocar Piracicaba como uma cidade onde todos gostariam de morar, não porque é moderna e bonita, mas principalmente porque pode ser um lugar onde a desigualdade social e o desemprego sejam baixos e a qualidade de vida seja digna para todos, e não apenas para pequenos grupos.