Área Restrita Carreiras
Lei da Liberdade Econômica e impactos no Direito Civil

Principais impactos da Lei nº 13.874/19 sobre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica

 

A Lei nº 13.874/19, conhecida como Lei da Liberdade Econômica, fruto, por sua vez, da Medida Provisória nº 881, trouxe importantes mudanças na codificação privada em vigor a respeito do denominado instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

De início, verifica-se a inclusão do artigo 49-A no então vigente Código Civil, a disciplinar, em seu caput, que: “A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.”. Na sequência, em seu parágrafo único, tem-se a seguinte redação: “A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.”.

Os dizeres desse novo dispositivo legal, na realidade, não trazem efetivos e inovadores impactos práticos, porquanto apresentam, em verdade, conceitos previstos já no Código Civil de 1916 e que tão somente não foram reproduzidos em sua exatidão no então vigente diploma civilista de 2002. Em resumo, pois, permanece a noção de que a autonomia da pessoa jurídica representa um mecanismo para a alocação de riscos, com o fim de estimular a economia e o desenvolvimento do país, pelo incremento de várias atividades, sendo certo que a pessoa jurídica constituiu uma ficção legal dotada de realidade própria.

Mudança significativa, contudo, pode ser verificada quanto ao artigo 50 do Código Civil em vigor, tendo havido a inclusão de texto final no caput e de cinco novos parágrafos no referido dispositivo legal, os quais, por sua vez, desde o texto da Medida Provisória nº 881, trazem critérios mais objetivos para a incidência da desconsideração nas relações entre civis, reforçando, pois, a interpretação acerca dos precursores da teoria maior da desconsideração, quais sejam o desvio de finalidade e a confusão patrimonial.

Dentre os destaques relacionados às inovações no artigo 50 do diploma civilista, encontra-se a expressa previsão no parágrafo 3º da chamada desconsideração inversa da personalidade jurídica, nos moldes, inclusive, preconizados pelo Código de Processo Civil de 2015, de modo que os conceitos de desvio de finalidade e confusão patrimonial aplicam-se também às figuras dos sócios ou dos administradores das pessoas jurídicas.

Outro ponto que merece destaque relaciona-se ao disposto no parágrafo 4º do referido artigo 50, porquanto passa a ser disciplinado que a mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos – desvio de finalidade e confusão patrimonial – não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. Fora positivada, portanto, a viabilidade jurídica do uso da desconsideração da personalidade jurídica para atingir outra pessoa jurídica, o que se denomina como desconsideração econômica, indireta ou sucessão entre empresas.

Por fim e não menos importante, o parágrafo 5º do artigo 50 do Código Civil preceitua que não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.

Nota-se, assim, claramente, a preocupação do legislador em conceituar e delimitar os requisitos que podem levar à desconsideração da personalidade jurídica, como um meio de conceder maior segurança jurídica aos sócios ou administradores a partir de regras mais claras acerca das hipóteses em que poderão ter seu patrimônio atingido em litígios civis.

As alterações trazidas pela nova lei em relação à desconsideração da personalidade jurídica, portanto, ao mesmo tempo que privilegiam a autonomia patrimonial das empresas, tornam as hipóteses de aplicação do incidente mais restritas, o que é positivo, uma vez que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser excepcional.

 

Ana Maria Rodrigues Janeiro, advogada do Escritório Crivelari & Padoveze Advogados, responsável pelo Departamento Jurídico Cível do Simespi.

Deixe um comentário