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A herança digital no direito brasileiro

Iniciais considerações sobre acervo patrimonial digital e direitos na personalidade no âmbito do Direito Sucessório brasileiro

 

O mundo virtual é uma realidade que avança em todos os setores da sociedade, sendo certo que as novas tecnologias trouxeram grandes repercussões também para o Direito, notadamente para o Direito das Sucessões, daí surgindo intensos debates sobre a transmissão da chamada herança digital.

 

Inicialmente, entende-se por herança, de modo geral, o conjunto de bens, corpóreos e incorpóreos, havidos pela morte de alguém e que serão transmitidos aos seus sucessores, sejam testamentários ou legítimos. Nos termos do artigo 1.791 do Código Civil, a herança conceitua-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros, o que inclui não só o patrimônio material do falecido, mas também os bens imateriais, sendo esses aqueles havidos e construídos na grande rede durante a vida da pessoa, surgindo, pois, a noção de herança digital, cerne da análise do presente artigo.

 

Dentre os bens que compõem a denominada herança digital, temos aqueles de valoração econômica – como, por exemplo, músicas, poemas, textos e fotos de autoria da própria pessoa -, os quais podem integrar a herança do falecido ou mesmo podem ser objeto de disposições de última vontade, em testamento, existindo, ainda, os bens que não têm qualquer valor econômico e que, geralmente, não integram categoria de interesse sucessório.

 

Importante destacar que muitos dos bens de um acervo digital com valoração econômica já encontram proteção pelo disposto na Lei de Direitos Autorais – Lei nº 9.610/98, em razão de sua natureza e pela notória divisão entre direitos morais e patrimoniais do autor.

 

A grande problemática que vem sendo debatida pelos civilistas modernos refere-se à transmissão da herança digital.

 

Sabemos que, pela via do testamento, sendo essa manifestação de última vontade, temos uma fácil e melhor atribuição dos bens acumulados em vida no âmbito virtual, como páginas, contatos, postagens, manifestações, likes, seguidores, perfis pessoais, senhas, músicas, dentre outros elementos imateriais adquiridos nas redes sociais. No entanto, além dessas manifestações de vontade feitas ainda em vida, o que fazer caso o falecido não tenha se manifestado sobre sua herança digital, especialmente pelo fato de ela não estar mencionada no Código Civil em vigor?

 

Por esta razão, justamente, tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que pretendem disciplinar a herança digital no âmbito da sucessão legítima mediante a alteração da redação de dispositivos do Código Civil brasileiro.

 

Certo, no entanto, que, ainda que não tenhamos um respaldo efetivo na legislação pátria acerca da herança digital, no universo das redes sociais, por exemplo, a questão já vem à tona, a clamar por uma solução jurídica de urgência.

 

Sabe-se que a plataforma Facebook oferece duas opções, sendo a primeira delas capaz de transformar o perfil da pessoa em um memorial na linha do tempo, permitindo homenagens ao falecido. A segunda opção, por sua vez, permite a exclusão do conteúdo por representante que comprove a morte do usuário. O Google, igualmente, permite uma espécie de testamento digital informal, por meio do qual o usuário pode escolher até dez pessoas que receberão as informações acumuladas em vida. O Twitter, em igual sentido, autoriza que os familiares baixem todos os tweets públicos e solicitem a exclusão do perfil, em procedimento que tramita perante a própria empresa. Por fim, merece destaque a solução dada pelo Instagram, que autoriza a exclusão da conta mediante o preenchimento de formulário online com a comprovação de tratar-se de membro da família, sendo possível igualmente a transformação do conteúdo em um memorial.

 

As opções das grandes plataformas digitais demonstram, por sua vez, que a problemática da herança digital encontra-se dividida entre os conceitos de valorização da autonomia privada e vontade dos herdeiros, de modo que o debate a respeito do tema, ainda muito superficial e simplista, necessitará ser ampliado e aprofundado.

 

Será importante, por exemplo, que haja uma diferenciação dos conteúdos que envolvem a tutela da intimidade e da vida privada da pessoa, daqueles que não o fazem, para, talvez, criar um caminho possível de atribuição da herança digital aos herdeiros legítimos, naquilo que for possível.

Muitos serão os desafios a serem superados na busca pelos aplicadores e estudiosos do Direito de uma solução para a questão, no entanto, é certo, a problemática acerca da herança digital demanda providências urgentes, a acompanhar as evoluções tecnológicas da sociedade em que vivemos.

 

 

 

Ana Maria Rodrigues Janeiro, advogada do Escritório Crivelari & Padoveze Advogados, responsável pelo Departamento Jurídico Cível do Simespi

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